REFLEXÕES SOBRE O GÊNERO PARÓDIA


João Victor Petroni Rodrigues (SP3022803)

Larissa Alves da Silva (SP1765256)

 

 

Recentemente, Louise Glück, escritora norte-americana de 77 anos foi laureada com o Nobel da Literatura. Desconhecida para grande parte dos leitores brasileiros, especialmente por conta da falta de tradução de seus livros no mercado nacional, tratamos de ir atrás de sua obra poética para conhecer um pouco da 16ª mulher a vencer o prêmio.

 

“Ítaca”

 

O ser amado não

precisa viver. O ser amado

vive na cabeça. O tear

é para os pretendentes, suspenso

como uma harpa de brancos filamentos.

Ele era duas pessoas.

Era corpo e voz, o fácil

magnetismo de um homem vivo, e então

o sonho revelado ou a imagem

formada pela mulher manejando o tear,

ali sentada num salão cheio

de homens de mentes literais.

Se te causa pena

o mar enganado que tentou

levá-lo para sempre

e devolveu apenas o primeiro,

o verdadeiro marido, deverias

sentir pena desses homens: eles não sabem

para o que estão olhando;

eles não sabem que quando alguém ama dessa maneira

o manto se torna um vestido de casamento.

 

Em uma recodificação da Odisseia, Glück reinterpreta a famosa cena em que Pénolope, para não casar com um dos vários pretendentes que aguardavam em sua casa, promete a eles que só escolheria um novo marido quando terminasse de tecer o véu. Porém, toda noite desfazia as costuras que havia tecido durante o dia, criando assim um ciclo interminável de tecer e desmanchar, adiando dia após dia o indesejado casamento, pois seu amor pertencia a Ulisses e ela sabia que um dia ele iria voltar.

Dando continuidade aos estudos sobre paródia, segundo os critérios da teórica Linda Hucheon, o poema de Glück é considerado um texto paródico, uma vez que o leitor, ativando o intertexto, descodifica a segunda camada do poema - que é implícita ou um fundo, enquanto a primeira camada é superficial, o primeiro plano - encontrando assim o sentido final, que reside no “reconhecimento da sobreposição desses níveis” (p. 51).

No capítulo 2, Hutcheon explora a definição de paródia. Assim, volta-se para a etimologia da palavra ‘parodos’, que advém de um substantivo grego que significa “contra-canto”. O prefixo ‘odos’, segundo a autora, possuí dois significados, mas somente um, “contra” , é o que fica, e por esse motivo a paródia é comumente associada à “uma oposição ou contraste entre textos” (p.48). Por essa definição, é possível afirmar que o texto de Luise Glück não é uma paródia, pois não há um confrontamento com a epopeia de Homero no sentido de zombar ou tornar caricato. Porém, o segundo significado do prefixo nos leva a um esclarecimento: o mesmo prefixo também pode significar “ao longo de”, sugerindo um “acordo ou intimidade, em vez de um contraste” (p.48).

Há de se diferenciar também a paródia do ‘pastiche’, ou seja, da cópia do estilo de um autor. Visivelmente, não há uma imitação no poema Ítaca, mas caso alguém resolvesse argumentar nessa direção, poderíamos facilmente rebater com o argumento de que a paródia permite uma adaptação em relação ao gênero do texto original, que no caso da Odisseia é a epopeia e em Ítaca a autora opta pelo poema lírico. No pastiche, geralmente o gênero é mantido, além de que este não exerce uma função transformadora, mas imitativa.

A paródia também se confunde com o plagiarismo, mas aqui cabe ressaltar que a grande diferença está nas intenções: “imitar com ironia crítica ou imitar com intenção de enganar” (p.57).

A paródia nos oferece a possibilidade de reinterpretar um texto, ressignificar, seja com ironia, um dos grandes recursos, mas não o único, ou com respeito. Encerramos então com a epígrafe utilizada por Linda Hutcheon no início do capítulo, com uma fala do poeta escocês do século XIX, Sir Theodore Martin:

 

Que ninguém parodie um poeta a não ser que o ame.

 

GONZAGA, Pedro. Poesia em Casa – Dois poemas de Louise Glück. Estadão, 30 de julho de 2017. Disponível em: https://estadodaarte.estadao.com.br/poesia-em-casa-dois-poemas-de-louise-gluck/. Acesso em: novembro de 2020.

 

HUTCHEON, Linda. Uma teoria da paródia. Trad. Teresa Louro Pérez. Lisboa: Edições 70, 1985.

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