Intervenção didática a partir da disciplina Fonética e Fonologia 2

                                                                                                                                                    

 

                                                                             

Intervenção didática a partir de conteúdos trabalhados na disciplina de Fonética e Fonologia do curso de licenciatura em Letras.

     

Público alvo: alunos do 3°ano - Ensino Médio

Gêneros trabalhados: Canção e Poesia

Prática de linguagem: oral e musical

Pré-requisitos: A presente atividade faz parte de uma sequência didática que objetiva trabalhar os elementos estruturais do texto poético. Assim, espera-se que os alunos já tenham conhecimento de parte desses elementos.

 

Objetivo:

Apresentar aos alunos as diferentes figuras de efeitos sonoros, presentes em textos poéticos e letras de canções e, com isso, estimular a prática de leitura e de escuta.

 

Justificativa: 

As figuras sonoras são recursos muito utilizados em poemas e músicas e, por seu caráter expressivo, proporcionam ao leitor uma experiência sinestésica. Na língua portuguesa, existem determinadas figuras de estilo que combinam elementos sonoros e que são bastante utilizadas em textos, discursos e poemas. Essas figuras são representadas por fonemas com objetivos simbólicos e têm a intenção de soar agradavelmente aos nossos ouvidos. Segundo Goldstein (2013): 

 

[...] “Nos textos comuns, não-literários, o autor seleciona e combina as palavras geralmente pela sua significação. Na elaboração do texto literário, ocorre uma outra operação, tão importante quanto a primeira: a seleção e a combinação de palavras se fazem muitas vezes por parentesco sonoro. Por isso se diz que o discurso literário é um discurso específico, em que a seleção e a combinação das palavras se fazem não apenas pela significação, mas também por outros critérios, um dos quais, o sonoro. Como resultado, o texto literário adquire certo grau de tensão ou ambiguidade, produzindo mais de um sentido. Daí a plurissignificação do texto literário.” (GOLDSTEIN, 2013, p.32-33) 

 

Segundo a autora, chamamos de figuras sonoras aquelas que estão relacionadas com os aspectos fonéticos e fonológicos das palavras. São elas: aliteração, assonância, paronomásia, repetição de palavras e onomatopeia. Vejamos quais são os recursos sonoros, de acordo com Goldstein (2013):

 

Aliteração: é a repetição da mesma consoante ao longo do poema. O leitor deve buscar seu efeito, em função da significação do texto. Contrariamente à etimologia da palavra – do latim, alliteratio, sequência de letras semelhantes; a aliteração realiza-se por meio de sons semelhantes, não de letras. De modo, que a aliteração consiste na repetição de consoantes ou de sílabas - especialmente as sílabas tônicas - em duas (ou mais) palavras, dentro do mesmo verso, estrofe, ou numa frase. Geralmente, a repetição dos sons consonantais é feita no início e no interior de palavras, ou, então, em sílabas iniciais: 

  


Januária 

Toda gente homenageia

Januária na janela

Até o mar faz maré cheia

Pra chegar mais perto dela

 

O pessoal desce na areia

E batuca por aquela

Que malvada se penteia

E não escuta quem apela

 

Quem madruga sempre encontra

Januária na janela

Mesmo o sol quando desponta

Logo aponta os lábios dela

 

Ela faz que não dá conta

De sua graça tão singela

O pessoal se desaponta

Vai pro mar, levanta vela

 

Toda gente homenageia

Januária na janela

Até o mar faz maré cheia

Pra chegar mais perto dela

 

O pessoal desce na areia

E batuca por aquela

Que malvada se penteia

E não escuta quem apela

 

Quem madruga sempre encontra

Januária na janela

Mesmo o sol quando desponta

Logo aponta os lábios dela

 

Ela faz que não dá conta

De sua graça tão singela

O pessoal se desaponta

Vai pro mar, levanta vela

 

     (Chico Buarque)


Neste poema de Castro Alves é possível perceber o efeito produzido pelas consoantes oclusivas /p/, /b/ e /d/:

 


Auriverde pendão da minha terra

 

Existe um povo que a bandeira empresta

 

Pra cobrir tanta infâmia e cobardia!…

E deixa-a transformar-se nessa festa

Em manto impuro de bacante fria!…

Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,

Que impudente na gávea tripudia?

Silêncio. Musa… chora, e chora tanto

Que o pavilhão se lave no teu pranto! …

.

Auriverde pendão de minha terra,

Que a brisa do Brasil beija e balança,

Estandarte que a luz do sol encerra

E as promessas divinas da esperança…

Tu que, da liberdade após a guerra,

Foste hasteado dos heróis na lança

Antes te houvessem roto na batalha,

Que servires a um povo de mortalha!…

.

Fatalidade atroz que a mente esmaga!

Extingue nesta hora o brigue imundo

O trilho que Colombo abriu nas vagas,

Como um íris no pélago profundo!

Mas é infâmia demais! … Da etérea plaga

Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!

Andrada! arranca esse pendão dos ares!

Colombo! fecha a porta dos teus mares

(Castro Alves)


 

 


Assonância: é a repetição de sons vocálicos, em sílabas tônicas de palavras distintas ou na mesma frase para obter certos efeitos de estilo:

Poesia no olhar

 

É um pássaro, é uma rosa,

É o mar que me acorda?

Pássaro ou rosa ou mar,

tudo é ardor, tudo é amor.

Acordar é ser rosa na rosa,

canto na ave, água no mar.

 

 (Eugênio de Andrade)

 

Frequentemente, a assonância tem um efeito de rima quando é usada para fazer corresponder vogais em versos finais, como rosa e acorda, no exemplo acima. Neste caso, a assonância confunde-se com a rima vocálica ou toante, que põe em paralelo, duas palavras com a mesma vogal tônica. Como as vogais são acusticamente sons musicais a assonância funciona como complemento melódico do verso ao contrário da aliteração, cuja repetição das consoantes sugere ruídos da natureza. Além da possibilidade de combinação entre assonância e aliteração no poema abaixo, também podemos observar o efeito produzido pelos fonemas fricativos /v/ e /s/ em uma das estrofes:

 


Um Sonho

Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...

O sol, celestial girassol, esmorece...

E as cantilenas de serenos sons amenos

Fogem fluidas, fluindo a fina flor dos fenos...

 

As estrelas em seus halos

Brilham com brilhos sinistros...

Cornamusas e crotalos,

Cítolas, cítaras, sistros,

Soam suaves, sonolentos,

Sonolentos e suaves,

Em Suaves,

Suaves, lentos lamentos

De acentos

Graves

Suaves...

 

Flor! enquanto na messe estremece a quermesse

E o sol, o celestial girassol, esmorece,

Deixemos estes sons tão serenos e amenos,

Fujamos, Flor! à flor destes floridos fenos...

 

Soam vesperais as Vésperas...

Uns com brilhos de alabastros,

Outros louros como nêsperas,

No céu pardo ardem os astros...

 

Como aqui se está bem! Além freme a quermesse...

- Não sentes um gemer dolente que esmorece?

São os amantes delirantes que em amenos

Beijos se beijam, Flor! à flor dos frescos fenos...

 

As estrelas em seus halos

Brilham com brilhos sinistros...

Cornamusas e crotalos,

Cítolas, cítaras, sistros,

Soam suaves, sonolentos,

Sonolentos e suaves,

Em Suaves,

Suaves, lentos lamentos

De acentos

Graves,

Suaves...

 

Esmaiece na messe o rumor da quermesse...

- Não ouves este aí que esmaiece e esmorece?

É um noivo a quem fugiu a Flor de olhos amenos,

E chora a sua morta, absorto, à flor dos fenos...

 

Soam vesperais as Vésperas...

Uns com brilhos de alabastros,

Outros louros como nêsperas,

No céu pardo ardem os astros...

 

Penumbra de veludo. Esmorece a quermesse...

Sob o meu braço lasso o meu Lírio esmorece...

Beijo-lhe os boreais belos lábios amenos,

Beijo que freme e foge à flor dos flóreos fenos...

 

As estrelas em seus halos

Brilham com brilhos sinistros...

Cornamusas e crotalos,

Cítolas, cítaras, sistros,

Soam suaves, sonolentos,

Sonolentos e suaves,

Em Suaves,

Suaves, lentos lamentos

De acentos

Graves,

Suaves...

 

Teus lábios de cinábrio, entreabre-os! Da quermesse

O rumor amolece, esmaiece, esmorece...

Dê-me que eu beije os teus morenos e amenos

Peitos! Rolemos, Flor! à flor dos flóreos fenos...

 

Soam vesperais as Vésperas...

Uns com brilhos de alabastros,

Outros louros como nêsperas,

No céu pardo ardem os astros...

 

Ah! não resista mais a meus ais! Da quermesse

O atroador clangor, o rumor esmorece...

Rolemos, ó morena! em contactos amenos!

- Vibram três tiros à florida flor dos fenos...

 

As estrelas em seus halos

Brilham com brilhos sinistros...

Cornamusas e crotalos,

Cítolas, cítaras, sistros,

Soam suaves, sonolentos,

Sonolentos e suaves,

Em Suaves,

Suaves, lentos lamentos

De acentos

Graves,

Suaves...

 

Três da manhã. Desperto incerto...E essa quermesse?

E a Flor que sonho? e o sonho? Ah! tudo isso esmorece!

No meu quarto uma luz, luz com lumes amenos,

Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos...

  

Neste verso de Eugênio de Castro -     “Na messe, que enlourece, estremece a quermesse”-  temos a assonância do “e” e a aliteração do “s”.

 

Paronomásia: é a figura de som que consiste na aproximação de palavras semelhantes pelos sons, mas de sentidos diferentes, ou seja, é o emprego de palavras parônimas. Observe:

 

HORA DE TER SAUDADE

 

Houve aquele tempo...

(E agora, que a chuva chora,

ouve aquele tempo!)

 

(Guilherme Almeida)

 

Os termos houve (verbo haver) e ouve (verbo ouvir) coincidem do ponto de vista sonoro, embora tenham grafias e significados diferentes. A coincidência sonora cria uma tensão semântica na poesia: ela dá novas significações à relação dos tempos presente e passado.

 

Repetição de palavras: é um recurso muito frequente. Quando acontece sempre na mesma posição (início, meio ou final de vários versos), recebe o nome de anáfora. Observe como a empregou Oswald de Andrade, no poema "Vício na fala", tentativa poética bem-humorada de aproximar a linguagem falada da escrita:

Para dizerem milho dizem mio

Para melhor, dizem mió para pior pió

Para telha dizem teia

Para telhado dizem teiado

E vão fazendo telhados

 

Onomatopeia: é a figura em que o som da letra que se repete lembra o som do objeto nomeado, como o do refrão do poema "Os sinos", de Manuel Bandeira:

 

Sino de Belém, pelos que indá vêm!

Sino de Belém, bate bem-bem-bem.

Sino da Paixão, pelos que lá vão!

Sino da Paixão, bate bão-bão-bão.

 

As onomatopeias remetem ao som dos sinos, elemento central do poema que os anuncia já no título.


Após a explicação, os alunos deverão realizar atividades, com o objetivo de auxiliar o processo de aprendizagem.

 

Exercício 1 - Identifique o(s) recurso(s) sonoro(s) empregado(s) nos versos em destaque das seguintes canções:


Texto 1

Você vai me seguir

Você vai me seguir aonde quer que eu vá

Você vai me servir, você vai se abaixar

Você vai resistir, mas vai se acostumar

Você vai me agredir, você vai me adorar

Você vai me sorrir, você vai se enfeitar

E vem me seduzir

Me possuir, me infernizar

Você vai me trair, você vem me beijar

Você vai me cegar e eu vou consentir

Você vai conseguir enfim me apunhalar

Você vai me velar, chorar, vai me cobrir

E me ninar (Chico Buarque)


 


Texto 2 - Cordão

Ninguém

Ninguém vai me segurar

Ninguém há de me fechar

As portas do coração

Ninguém

Ninguém vai me sujeitar

A trancar no peito a minha paixão

Eu não

Eu não vou desesperar

Eu não vou renunciar

Fugir

Ninguém

 

Ninguém vai me acorrentar

Enquanto eu puder cantar

Enquanto eu puder sorrir

Ninguém

Ninguém vai me ver sofrer

Ninguém vai me surpreender

Na noite da solidão

Pois quem

Tiver nada pra perder

Vai formar comigo o imenso cordão

E então

Quero ver o vendaval

Quero ver o carnaval

Sair

Ninguém

Ninguém vai me acorrentar

Enquanto eu puder cantar

Enquanto eu puder sorrir

Enquanto eu puder cantar

Alguém vai ter que me ouvir

Enquanto eu puder cantar

Enquanto eu puder seguir

Enquanto eu puder cantar

Enquanto eu puder sorrir

Enquanto eu puder cantar

                   Enquanto eu puder... (Chico Buarque)

 

 

Texto 3 - A Televisão

 O homem da rua

Fica só por teimosia

Não encontra companhia

Mas pra casa não vai não

Em casa a roda já mudou

Que a moda muda

 roda é triste

A roda é muda

Em volta lá da televisão...

No céu a lua

Surge grande e muito prosa

Dá uma volta graciosa

Pra chamar as atenções

O homem da rua

Que da lua está distante

Por ser nego bem falante

Fala só com seus botões...

O homem da rua

Com seu tamborim calado

Já pode esperar sentado

Sua escola não vem não

A sua gente

Está aprendendo humildemente

Um batuque diferente

Que vem lá da televisão...

No céu a lua

Que não estava no programa

Cheia e nua, chega e chama

Pra mostrar evoluções

O homem da rua

Não percebe o seu chamego

E por falta doutro nego

Samba só com seus botões...

Os namorados

Já dispensam seu namoro

Quem quer riso

Quem quer choro

Não faz mais esforço não

E a própria vida

Ainda vai sentar sentida

Vendo a vida mais vivida

Que vem lá da televisão...

O homem da rua

Por ser nego conformado

Deixa a lua ali de lado

E vai ligar os seus botões

No céu a lua

Encabulada e já minguando

Numa nuvem se ocultando

                       Vai de volta pros sertões... (Chico Buarque)



 Exercício 2

 

O aluno deverá gravar um vídeo no qual lerá um poema ou uma letra de canção de sua preferência, que apresentem os recursos sonoros já estudados. Será importante que o professor explique os elementos necessários para uma boa leitura. Além disso, o aluno poderá usar a criatividade na produção do vídeo como: fundo musical, imagens etc. Os alunos mais tímidos poderão gravar somente a voz e seguir exemplo do vídeo abaixo, no qual é apresentado o poema “José” de Carlos Drummond de Andrade, disponível em:  https://www.youtube.com/watch?v=CaexXJ6UFnw.

 

Após a elaboração dos vídeos, estes poderão ser exibidos para toda turma e o conteúdo poderá ser retomado por meio da participação dos alunos.

 

Projeto: Linguística e Ensino 

Bolsista: Susana L. R. Barboza             

Prof. Responsável: Alice P. Santos 

Maio/2020  

                                                                   

Bibliografia

 

ALVES, Castro. O Navio Negreiro. São Paulo: Panda Books, 2011.

ANDRADE, Carlos Drummond de. José. São Paulo: Companhia das Letras, 2012

CHICO BUARQUE. A televisão.  c 1967 by Editora Musical Arlequim Ltda. Disponível em: https://www.vagalume.com.br/chico-buarque/a-televisao.html Acesso: 05/2020

CHICO BUARQUE. Cordão. In: Adélia Bezerra de Menezes Bolle, org., op. cit, p.55. by Marola Edições Musicais Ltda.

CHICO BUARQUE /RUY GUERRA. Você vai me seguir. In: Adélia Bezerra de Menezes Bolle, org., op. cit., p.55. by Marola Edições Musicais Ltda.

DELGADO, Eloisa de Almeida. A poesia no processo educativo. In: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Os Desafios da Escola Pública Paranaense na Perspectiva do Professor PDE: Produção Didático-pedagógica, 2016. Curitiba: SEED/PR., 2018. V.2. (Cadernos PDE). Disponível em: p://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2016/2016_artigo_port_unespar- apucarana_eloisadealmeidadelgado.pdf <link>. Acesso em: 14/05/2020. ISBN 978-85-8015-094-0.

GOLDSTEIN, N. Versos, sons, ritmos. São Paulo: Ática, 2013. 


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